Alexandrina Leal, 82 anos, não pode sequer pensar em ir à missa agradecer pelo dom da vida. Na rua em que ela mora, em Crato, cidade de 133 mil habitantes no Sul do Ceará, sete idosos estão na mesma situação dela: não fazem ideia de quando vão receber a vacina contra Covid-19. "Vou esperar deitada. Tô esperando pela boa vontade, porque notícia a gente não tem", disse. Embora a idosa já esteja cadastrada, as doses repassadas ao município já foram aplicadas e ela não tem data marcada para receber a vacina.
A capital, Fortaleza, tem um pouco mais 11 mil doses de vacinas contra a Covid-19 para atender o público alvo desta primeira fase. De acordo com a secretária municipal da Saúde Ana Estela Leite a capital recebeu 119 mil doses de CoronaVac e AstraZeneca. Dessas, só sobram, atualmente, 11 mil, cerca de 8 mil CoronaVac e 3 mil dos imunizantes feitos em parceria com a Universidade de Oxford.
Crato e outras 147 cidades do Ceará já aplicaram 100% das vacinas que receberam do Governo do Ceará para a 1º dose em idosos acima de 75 anos e chegam a um mês da campanha de vacinação contra Covid-19 à espera de um novo lote da vacina Oxford/AstraZeneca. Não há previsão de envio de uma remessa dessa vacina pelo Ministério da Saúde.
A Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) informou que "tem canal de diálogo com o Ministério da Saúde (MS) para garantir que os envios de lotes de vacinas cheguem aos cearenses o mais breve possível". A pasta ressaltou que a Fiocruz iniciou em 12 de fevereiro a produção de 16,8 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca que devem estar prontas até o fim de março.
"Normalmente, o Ceará é contemplado com 4% da produção de imunizantes contra Covid-19 no País. Dessa forma, conforme as doses forem fabricadas e liberadas pelo MS, serão enviadas ao Ceará e distribuídas [aos municípios], informou a Sesa em nota.
O único lote do imunizante Oxford/AstraZeneca foi enviado ao Ceará em 24 de janeiro, contendo 72.050 doses, e chegou às cidades 24 horas depois. No Estado, essas vacinas são destinadas aos idosos, enquanto os lotes de CoronaVac vão para a imunização dos profissionais da saúde.
"A orientação da Sesa foi para aplicar as doses da vacina Oxford/AstraZeneca nesse público de idosos a partir de 75 anos, seguindo ordem decrescente de idade, de acordo com a quantidade distribuída. Importante lembrar que a segunda dose deste imunizante deve ser aplicada em 90 dias após a primeira", afirmou a secretaria.
A Sesa ainda ressaltou que, em uma reunião realizada em 8 de fevereiro, ficou definido que os municípios com mais de 100 mil habitantes, caso os profissionais da saúde tenham sido vacinados, pode haver a opção para vacinar parte da população idosa. Em municípios com menos de 100 mil moradores, as doses devem ser aplicadas nos profissionais da saúde.
No dia 6 de fevereiro, a Fiocruz recebeu matéria-prima suficiente para produzir 2,8 milhões de doses, que devem ser entregues entre 15 e 19 de março, conforme a fundação.
A cidade de Crato recebeu 910 doses do único lote de vacinas da Oxford/AstraZeneca e já fez a aplicação de todas elas. Por isso, a vacinação para idosos acima de 75 anos está suspensa. Apenas a vacinação dos profissionais da saúde prossegue, com a CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac.
"Eu tô me sentindo assim sem condições de sair de casa. Para o médico, eu só vou porque é o jeito. Não sei nem o que tem por lá", disse Alexandrina. O filho da idosa fez o cadastro da mãe para o recebimento da vacina na última quinta-feira (11). No mesmo dia, ele já foi informado que os imunizantes estavam em falta.
A Secretaria da Saúde do Crato ressaltou que já concluiu a aplicação das doses recebidas e está aguardando o recebimento de novas unidades. O município "já tem o cadastramento deste público para, assim que as doses chegarem, continuar a vacinação".
A titular da Saúde do Crato, Marina Feitosa, afirmou que as vacinas vão sendo distribuídas de acordo com a produção dos laboratórios. "Todos os municípios do nosso país têm recebido as vacinas de forma fracionada para atender aos grupos prioritários pelo Ministério da Saúde", acrescentou.
Povoado no sertão só recebeu cinco doses
A mais de 400 km do Crato, a agricultora Izalena Magalhães, de 54 anos, espera o dia em que o pai, Raimundo Marques, de 83, será beneficiado. Ambos moram no pequeno povoado de Pereiros, em Nova Russas, no sertão cearense. Segundo a filha, só foram enviadas cinco doses para a comunidade.
"A gente tá na expectativa, ele já é de idade, de risco. Eu mesmo cuido dele, tenho o maior cuidado e medo de ele pegar. Ele não foi vacinado porque veio só cinco doses para nossa comunidade. Era para ter vindo mais, mas o governo federal não manda o suficiente", lamentou.
Izalena afirmou que a informação sobre a espera por imunizantes veio da agente de saúde que atua na região. "Ficou muita gente aqui na nossa comunidade sem tomar, e os casos estão aumentando, a gente já tem até caso aqui", diz a agricultora, com receio de o vírus ganhar força no local.
O coordenador de imunização de Nova Russas, Felipe Sousa Vasconcelos, afirmou que a vacinação para idosos está suspensa momentaneamente por causa da ausência de vacinas para este público. "Estamos aguardando, temos [vacinas] guardadas de alguns dos profissionais da saúde", ressaltou. A cidade recebeu 320 doses para idosos e disse já ter aplicado todas.
Paracuru, cidade litorânea na Grande Fortaleza, é outro exemplo de cidade que já aplicou todas as doses para idosos. O município recebeu 230 doses. O secretário da Saúde do município, Ângelo Leite Nóbrega, ressaltou que a vacinação para este público foi suspensa porque não há mais vacinas disponíveis. Os profissionais da saúde, por outro lado, continuam sendo imunizados com a CoronaVac.
Informações G1