Com um sorriso no rosto e a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nas mãos, a advogada Marina Dos Santos Prado das Neves mostrou a força de sua perseverança e foi aprovada em um dos exames mais difíceis do país aos 64 anos.
Depois de ficar quatro décadas fora da escola, ela participou no último dia no dia 8 de julho da cerimônia de entrega da carteira da OAB em Bauru, onde vive, e foi a única mulher negra da turma de aprovados.
Em entrevista ao O POVO, Marina contou parte de sua trajetória até conquistar o diploma e realizar o sonho de advogar.
Marina viveu parte da sua infância na cidade de Birigui, também em São Paulo, com sua família. Mas logo se mudou para a cidade de Bauru. Lá, sua mãe começou a trabalhar como domésticaeseu pai faleceu quando ela tinha apenas 9 anos de idade.
Aos 12, Marina precisou sair do colégio, onde estudou até a 4° série, e, repetindo os passos da mãe, começou a trabalhar como doméstica para ajudar nas despesas de casa, em que viviam ela, sua mãe e o irmão mais novo.
O desejo de voltar a estudar
Nas quatro décadas seguintes, ela trabalhou em casas de família, em uma fábrica, teve filhos e netos. Mas o desejo de concluir os estudos nunca saiu dos seus sonhos.
O pontapé para que Marina retomasse a escola surgiu no final de 2009 após uma conversa com seu esposo sobre “o que você gostaria de fazer''. O marido então apoiou a companheira.
Marina não perdeu tempo e foi procurar um local que pudesse recebê-la na nova empreitada: terminar o ensino fundamental e ingressar no médio.
Para isso, se matriculou no programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), destinada a jovens, adultos e idosos que não tiveram acesso à educação convencional, permitindo que o aluno retome os estudos e conclua em um período de tempo menor.
E, assim, ela voltou a estudar aos 50 anos. Ela volta à sala de aula no segundo semestre do ano de 2010, em Bauru, e ficou nessa escola até concluir o 9° ano do ensino fundamental.
“Eu tinha muito medo de não dar certo, sabe? Ah, mas deu, rapaz do céu. Eu fiquei tão animada e consegui acompanhar os estudos. Então eu fui fazendo, fui me animando com as minhas notas. Aí veio o segundo grau (Ensino Médio) e também não tive dificuldade”, contou ao O POVO, orgulhosa do seu feito.
A aluna exemplar se animou com o estudo e não quis mais parar. No dia em que encerrou o ciclo do Ensino Médio, ela já correu em uma faculdade da cidade e se inscreveu no curso de direito, que segundo ela, foi inspirada em um pastor da igreja que frequenta, e começou no ensino superior em 2014.
O exame da OAB
A princípio, não estava nos planos de Marina fazer o exame da Ordem do Advogados do Brasil (OAB) - já lhe bastava o diploma em Direito.
Orgulhosa, Marina revela que não reprovou em nenhuma disciplina durante todo o curso e, em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), foi aprovada com nota nove.
“Até a minha formatura assim eu não pensava em OAB, eu pensava em mostrar para os meus filhos que era possível”, disse.
Bem-humorada, a advogada brincou dizendo que não ia “esfregar o diploma na cara deles, porque ia estragar o diploma que ela conquistou”. E conclui: “[o diploma] Vai ficar um tempão exposto para vocês verem que é possível”.
Única negra da turma, Marina disse que foi incentivada por pessoas próximas a fazer o exame da OAB. Determinada, a mulher tentou quatro vezes até ser aprovada em dezembro de 2021. “Eu não desisti”, disse.
A conquista da advogada foi comemorada por toda a família: o marido, Sérgio Pereira das Neves, 65; os filhos Christian e Hélder Paulo e os netos Isabely, Hyan e Esthefany Caroline. Esthefany, seguindo os passos da avó, também concluiu a graduação em Direito.
Na cerimônia de entrega da carteirinha da OAB, a advogada contou que estava sentada no auditório, aguardando ser chamada e não imaginava repercussão que conquista teria.
"A hora que eu desci dali eu sentei perto da minha neta, ela foi comigo e disse: você tem consciência do que que você está provocando aqui? Aí eu fiquei pensando, falei poxa vida, onde isso vai dar? Deu que eu já dei entrevista pro jornal, pra televisão, pra sites", contou.
Fonte: O Povo