Oficialmente, são 12 anos de espera. Contudo, a ideia do Projeto de Integração do Rio São Francisco (Pisf) como forma de solucionar a escassez hídrica causada pela seca acompanha governos desde, pelo menos, o Segundo Império – ainda no século XIX. Nesta sexta-feira (26), as águas do Velho Chico chegam ao Ceará, mais precisamente na barragem de Jati, na região do Cariri. Obra iniciada no governo do PT, em 2007, e que também passou por um governo do MDB, é na gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que o trecho que conduz os recursos hídricos ao território cearense será inaugurado.
Em Penaforte, o chefe do Executivo acompanhará a chegada das águas ao Estado ao lado ministro do Desenvolvimento Regional (MDR), Rogério Marinho, e de outras autoridades e políticos. É a primeira visita de Bolsonaro ao Ceará desde que assumiu a Presidência da República, um aceno em busca de aproximação com o Nordeste.
Inicialmente, eram cinco anos previstos para a construção de 477 quilômetros em obras, reunidas em dois grandes canais – Eixo Norte e Eixo Leste – para abastecer açudes e rios intermitentes (que desaparecem nos períodos de seca) não só no Ceará, mas nos estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. No entanto, já são sete anos de atraso marcados por disputas políticas.
Com 97,44% de execução física, o Eixo Norte do Pisf está em fase final, faltando a conclusão apenas do trecho que levará os recursos ao Rio Grande do Norte. As obras físicas já concluídas garantem funcionalidade, possibilitando agora que as águas do Velho Chico sejam enviadas da barragem de Milagres (PE) para Jati (CE). O custo total do projeto é estimado em R$ 12 milhões pelo MDR, que deve abastecer 11,6 milhões de pessoas em todo o Nordeste, sendo 4,5 milhões somente no Ceará.
Ganho político
A exemplo da inauguração de outras grandes obras, a chegada das águas do Rio São Francisco deve ser revertida em um instrumento para tentar aumentar o capital político do atual presidente, apontam analistas políticos entrevistados pelo Diário do Nordeste. “Estamos vivendo uma crise econômica e fiscal, então vai ser cada dia mais difícil ver uma inauguração do porte desta”, observa o cientista político Cleyton Monte, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia, ligado à Universidade Federal do Ceará (UFC).
Professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), a cientista política Monalisa Torres avalia que a entrega da obra deve ser incorporada ao discurso de Bolsonaro de que “veio para resolver” o que governos anteriores não teriam feito. “Uma obra que está emperrada há tanto anos, e no momento em que ele assume a obra é inaugurada. É uma narrativa que ele vai explorar, que inclusive foi o discurso dele, de que viria para fazer o que os outros governos não fizeram”, analisa.
A pesquisadora, no entanto, salienta que ganhos políticos do empreendimento provavelmente só serão vistos no futuro, uma vez que a própria estrutura do projeto prevê retorno em médio e longo prazos.
“Acredito que essa avaliação não vai dar resultados imediatamente, porque no Nordeste o Lula foi quem iniciou grandes obras, como a Transposição, e ela é atribuída a ele. Mas a longo prazo ele (Bolsonaro) pode conquistar um capital político positivo sobre a inauguração”, acrescenta.
Moeda de troca
O professor de História da Universidade Federal do Ceará (UFC), Frederico de Castro Neves, destaca que não é novidade o uso político de grandes obras que buscam amenizar os efeitos da escassez no Nordeste, já que a seca sempre foi explorada como moeda de troca na região. Ele enfatiza, ainda, que apesar de empreendimentos ao longo da História, a escassez hídrica continua sendo um problema e a água continua faltando para os que realmente sofrem com a estiagem, em especial os pequenos produtores rurais.
“A seca, do ponto de vista social, foi alimentada por grandes construções que acabaram fazendo parte de uma grande indústria, que é a indústria da seca. Uma obra desse tipo (como a da Transposição) tem grandes licitações, grandes empresas envolvidas, que vão obter lucros, com políticos mediando”, diz. “Isso acaba sendo aproveitado e transformado em moeda de troca. Não é algo novo. Governos exploram isso largamente”, explica.
Neves pondera, também, que a chegada das águas não é suficiente. O que preocupa, segundo ele, é a mensagem passada à população de que “basta colocar a água para resolver o problema”, quando ainda são necessárias outras políticas públicas para enfrentar os efeitos da seca. “Essa água vai ter um custo”, ressalta.
Cinturão das Águas
Após chegarem ao reservatório de Jati, as águas do Projeto de Integração do Rio São Francisco devem levar cerca de dois meses para abastecer todo o reservatório.
Por isso, somente em agosto os recursos hídricos devem começar a ser enviados para o trecho emergencial do Cinturão das Águas do Ceará (CAC), responsável por transportar por gravidade a água até Missão Velha, onde será direcionada ao Riacho Seco, seguindo pelo Rio Batateira e Rio Salgado, principal afluente do Açude Castanhão, que abastece a Capital e a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Ao todo, o Cinturão das Águas deverá ter 145 quilômetros de extensão. Desse total, 53 quilômetros da obra já estão prontos, correspondentes ao trecho emergencial.
Os 92 quilômetros restantes devem ficar prontos até 2022, caso não haja mais atrasos nos repasses de recursos pelo Governo Federal. É o que projeta o Poder Executivo Estadual. Esse trecho será responsável por aduzir as águas de Jati a Nova Olinda, pelo Rio Cariús, afluente do Açude Orós, que também abastece o Castanhão. No entanto, os recursos hídricos que passarem por esse trecho deverão garantir ainda o abastecimento da Região do Cariri, a partir dos reservatórios da região.
Em busca de redução do custo
O presidente da Comissão Especial de Acompanhamento das Obras da Transposição do Rio São Francisco da Assembleia Legislativa do Ceará, deputado Guilherme Landim (PDT), disse ontem que uma frente interestadual, formada por parlamentares dos quatro estados contemplados pela Projeto de Integração do Rio São Francisco, irá a Brasília para buscar reduzir os custos da operacionalização das águas da Transposição.
Segundo ele, o Ministério do Desenvolvimento Regional havia estimado que o Ceará teria que pagar R$ 300 milhões ao ano para ter recursos hídricos do Pisf, o que geraria um aumento de cerca de15% na tarifa-mínima cobrada pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) aos consumidores de Fortaleza e Região Metropolitana.
“É um valor muito alto e isso nos preocupa muito”, ressaltou, acrescentando que outros pleitos também serão levados ao Governo Federal.
“Não é só entregar a água e dizer ‘pague tanto’. É preciso dar condições para os municípios construírem adutoras para transportar a água”, enfatizou.
Com informações Diário do Nordeste