"O próximo ano será de muita chuva". A profecia foi feita pelo agricultor Venceslau Batista, de 84 anos, que há décadas observa os sinais da natureza para saber se a pluviometria será generosa durante a quadra chuvosa, que se inicia em fevereiro e segue até março. Morador do Perímetro Irrigado Icó-Lima Campos, ele é conhecido como "profeta da chuva", nomenclatura dada ao sertanejo que faz previsões de tempo e de clima a partir de observações das mudanças do ecossistema, da atmosfera, dentre outros métodos tradicionais de previsão. "Aprendemos com nossos pais, avós e damos continuidade a essa tradição", explica. Os "profetas" observam alguns sinais da natureza que, segundo eles, indicam o volume da chuva. Um deles é a florada do juazeiro e da aroeira. Quando, nesta época do ano, as árvores estão com a copa cheia, é sinônimo de boas chuvas. "Encontrei um ninho de joão-de-barro com a entrada da casa virada para o poente e isso é bom", detalha o que ele acredita ser outro "sinal da natureza". "Nos anos anteriores eles faziam a abertura virada para o nascente, ou seja, era indicação de pouca chuva", complementa.
O agricultor aposentado, Francisco Dias, também faz previsões para o período de chuvas. O profeta costuma colocar pedras de sal sobre uma tábua na noite anterior ao dia dedicado à Santa Luzia, que foi festejado no último dia 13. São seis pedras e cada uma delas representa um mês do ano a partir de janeiro. "De março, abril e maio, as pedras ficaram úmidas, sinal de chuva nesses meses", ensinou. A próxima observação, explica Francisco, será a primeira lua cheia do ano. "Estou animado porque os tetéus não fizeram ninhos nas lagoas e é sinal que vem chuva no começo do ano".
Em Quixadá, no Sertão Central do Estado, os profetas também já iniciaram as observações. Assim como fez Francisco Dias, a professora aposentada Lurdinha Leite, também repousou pedras de sal sobre uma madeira na noite de 12 de dezembro. "As pedrinhas se desmancharam em todos os meses na tábua. Fiquei muito feliz. Vamos ter bom inverno, com a ajuda de Deus", comenta Lurdinha.
Essas previsões, segundo avaliam os profetas da chuva, não se trata "de fé", mas de "conhecimento sobre a natureza", conforme explica Francisco Leite, que também participa, ao lado de Lurdinha e outros observadores, de um encontro anual em Quixadá, realizado sempre no mês de dezembro. "Conhecer os sinais da natureza é uma questão de sobrevivência na caatinga", pontua ele, que, com 20 anos, é o profeta mais novo de Quixadá. O mesmo grupo vai se reunir no dia 10 de janeiro do próximo ano, para divulgar o prognóstico oficial para a quadra chuvosa de 2020. "Os indícios são bons, mas vamos esperar a barra da lua cheia de 2020 para confirmar", diz. Este encontro é considerado o maior do gênero no País.
Órgãos oficiais
O cenário de boas chuvas para o início do próximo ano no Ceará é corroborado pelo prognóstico divulgado por meteorologistas do Clima Tempo. De acordo com o especialista Filipe Pungirum, a previsão para "janeiro e fevereiro é de bastante chuva". Ele explica que a Zona de Convergência Intertropical (Zcit), que é o principal sistema indutor de chuva no norte do Nordeste, "está em posição favorável" para incidência pluviométrica durante estes dois meses. Outro fator observado por Pungirum é a ausência de atuação dos fenômenos El Niño e La Niña. "Essa neutralidade é um bom indicativo para ocorrência de chuvas no Ceará", avalia, ao prever que "a qualidade de chuva de 2020 vai ser melhor em comparação ao ano passado". Para dezembro, no entanto, o Clima Tempo prevê chuvas abaixo da média. Em janeiro, uma nova análise, para os meses de janeiro, fevereiro e março, será feita.
Já a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) não realiza prognóstico para os meses de dezembro e janeiro, período que corresponde à pré-estação chuvosa. No entanto, o órgão deve divulgar, em janeiro, a previsão para os meses de fevereiro, março, abril e maio.
Reservatórios
Para os sertanejos, essa expectativa que gira em torno das chuvas de 2020, pode ser explicada através de números. Apesar de a pluviometria registrada, ao longo deste ano, estar 6% acima da média histórica, essas chuvas não foram suficientes para garantir recarga hídrica satisfatória à maioria dos açudes cearenses.
Atualmente, 89 reservatório estão com volume abaixo de 30%, e 13 são considerados secos. Ontem (16), o açude Barragem do Batalhão entrou na lista dos reservatórios que estão no volume morto, totalizando, agora, 31. Os dados são da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), órgão responsável por monitorar e gerir 155 açudes públicos no Estado.
Com informações Diário do Nordeste