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terça-feira, 29 de outubro de 2019

Bolsonaro se reúne com príncipe saudita acusado de mandar matar jornalista


Em viagem ao Oriente Médio, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) firmou acordos com os Emirados Árabes e se hospedou no hotel mais luxuoso da região. Hoje, em novo capítulo da tentativa de aproximação com os países árabes, ele se reúne com o príncipe da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman. Submerso pelo mais recente embate econômico com o Irã, Salman coleciona atritos diplomáticos, sendo o mais notório deles em relação ao assassinato do jornalista Jamal Khashoggi dentro do consulado saudita em Istambul no ano passado.

Tratado formalmente como sucessor (o país está sob o comando do rei Salman bin Abdel Aziz), Salman, 34, exerce na prática a liderança da monarquia — além de chefiar a Defesa e ser vice-primeiro-ministro. O príncipe liderou, desde que ascendera como herdeiro daquele país, uma reforma sem precedentes; o reino, todavia, não deixou de se caracterizar como uma ditadura fundamentalista adepta do wahhabismo, vertente ultraconservadora do Islã.

A reunião com Salman e o roteiro escolhido no Oriente Médio colocam em xeque discurso recorrente de Bolsonaro de que não se alinharia a ditaduras. Qatar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos fazem parte das monarquias do golfo pérsico e não são exatamente modelos de democracia.

Conforme antecipado pela Folha, as conversas entre Bolsonaro e Salman devem envolver o retorno das importações da fábrica da BRF nos Emirados Árabes. A Arábia Saudita é um dos principais importadores de frangos brasileiros e, em janeiro, reduziu o número de frigoríficos habilitados a vender para o país o frango halal - criado e abatido obedecendo aos princípios do Islã.

Entre as empresas que controlam os frigoríficos barrados pelos sauditas estão a BRF e a JBS, duas das principais empresas brasileiras do setor.

A justificativa oficial para a supressão do fornecimento desses frigoríficos é de que a autoridade saudita para assuntos sanitários encontrou problemas técnicos durante inspeção em outubro do ano passado no Brasil. Mas há receio de que a medida tenha relação com as pretensões do governo de Jair Bolsonaro de deslocar a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, política diplomática que contraria interesses e convicções sauditas.

Assassinato e G20

O encontro entre Bolsonaro e Salman não será inédito. Os dois conversaram em uma reunião bilateral durante o G20 em Osaka, no Japão. "Firme em minha determinação de trazer investimentos para nosso país, conversei com o Príncipe Mohammad bin Salman da Arábia Saudita, maior economia do mundo árabe, sobre oportunidades de investimento no Brasil. Estamos adotando uma posição muito mais equilibrada no Oriente Médio", escreveu Bolsonaro em seu Twitter à época.

O momento era delicado para o príncipe saudita, posto que a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgara dias antes um relatório que associa o príncipe herdeiro ao assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, que trabalhava para o jornal Washington Post e era crítico do regime saudita. A morte de Khashoggi completou um ano no último dia 2 sem esclarecimentos; o corpo nunca foi encontrado, e há suspeita de que tenha sido desmembrado e dissolvido com ácido.

Apesar das estreitas relações entre Riad e o governo de Donald Trump — este, inclusive, vetou um projeto de lei que proibiria a venda de armas dos EUA para a Arábia Saudita — a agência de inteligência norte-americana (CIA) apontou que Salman fora o mandante do assassinato de Khashoggi, segundo reportagem do Washington Post.

No último desdobramento, Salman reconheceu sua responsabilidade pela morte pois o crime aconteceu sob seu governo, mas não admitiu que tenha qualquer ligação ou conhecimento prévio do assassinato.

Tensão com Irã

O atual conflito com o Irã, que quase ganhou contornos bélicos, colocou Salman novamente no centro das discussões sobre os preços do petróleo e como estes influenciam a economia global. Os sauditas e os Estados Unidos acusam o país de usar drones para atacar a usinas da companhia petrolífera estatal saudita Aramco. Os rebeldes houthis xiitas do Iêmen — país que está em guerra com a Arábia Saudita — assumiram a autoria dos ataques, confissão que não foi aceita pelos norte-americanos.

Duas semanas após os bombardeios, Salman afirmou que o Irã deveria ser "detido", caso contrário "veremos novas escaladas que ameaçarão os interesses mundiais."

O embate entre iranianos e sauditas remonta a mudança na orientação diplomática do Brasil. Sob as gestões de Dilma Rousseff (PT) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Brasil se aproximou de países árabes e do Irã, construindo, juntamente à Turquia, um acordo nuclear com os persas que vigora até hoje (a despeito da saída dos Estados Unidos do trato, por orientação do presidente Donald Trump). Com Bolsonaro, o país se alinhou aos interesses dos Estados Unidos e, consequentemente, tende a se aproximar do regime saudita.

A importância dos Estados Unidos como ator tangente ao encontro de hoje entre Bolsonaro e Salman pode ser medida a partir da viagem do secretário de Defesa norte-americano, Mark Esper, ao reino saudita na última semana. O encontro aparou arestas referentes ao envio, por parte dos americanos, de milhares de soldados para resguardar as refinarias de petróleo saudita.

Com informações AFP