Usando o método desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (MEAC/UFC), uma equipe médica utilizou pele de tilápia para realizar cirurgia de reconstrução vaginal após procedimento de redesignação sexual de uma paciente trans de Campinas. A cirurgia ocorreu em São Paulo, nesta terça-feira (23). A UFC afirma ser caso inédito no mundo.
A pele de tilápia já é usada no tratamento de queimaduras e na reconstrução vaginal em pacientes com síndrome de Rokitansky e câncer de vagina. Mas a intervenção em caso de mudança de sexo é inédita.
O professor Leonardo Bezerra, do Departamento de Saúde Materno-Infantil e da Pós-Graduação em Cirurgia da UFC, responsável pelo trabalho de pesquisa com pele de tilápia em Fortaleza há três anos, participou do procedimento cirúrgico. Ele assegura que a cirurgia ocorreu “sem complicações”.
Segundo informações divulgadas pela UFC, a paciente já havia sido submetida à cirurgia de redesignação sexual (de homem para mulher). Porém, sofria com problemas funcionais, e, por isso, passou por novo procedimento.
O processo consistiu, inicialmente, na retirada de resíduos que ficaram das intervenções anteriores e impediam que a mulher tivesse relações sexuais.
Com a criação da neovagina, entre o reto e a bexiga, foi a vez de utilizar a pele da tilápia para recobrir toda a cavidade vaginal criada, envolta em um molde que ficará na paciente de cinco a sete dias.
A paciente reagiu bem e deve ter alta em uma semana, informou a universidade.
Minimamente invasivo
O uso da tilápia evita que o enxerto seja feito com pele retirada de outras partes do corpo, geralmente do intestino, para aumentar a largura e o comprimento do canal vaginal. Portanto, é um método menos invasivo.
Para o pesquisador Leonardo Bezerra, além da mínima invasividade, outra vantagem é o baixo custo do procedimento.
É algo extremamente inovador. Já era inovador o uso da pele de tilápia na neovagina, porém a [síndrome de Rokitansky] é uma doença rara e tem pouco impacto, pois muitas pessoas nem sabem que ela existe. O uso em câncer também é raro, porque o câncer de vagina por si só já é raro. A ideia de utilizar pele de tilápia na cirurgia de redesignação é algo inédito”, explica.
“A perspectiva de uso da pele de tilápia já é comprovadamente mais segura, pois estudos anteriores do nosso grupo confirmaram a total ausência de infectantes e uma biocompatibilidade e ausência de rejeições fantástica”, acrescenta.
O professor revela, ainda, que a ideia é, em breve, usar a pele de tilápia na cirurgia de redesignação propriamente dita, evitando um canal estreito e não funcional.
Em médio prazo, o objetivo é usar a pele de tilápia como primeira prótese biológica de animais aquáticos em ginecologia. Além disso, segundo a UFC, também estão em andamento projetos de uso da pele de tilápia acelular para tratamento de incontinência urinária e prolapso genital (distúrbio provocado pela perda de sustentação de órgãos que constituem o assoalho pélvico).
Pesquisa pioneira
Desenvolvida há cerca de três anos em laboratórios da UFC, em Fortaleza, a pesquisa revolucionou o tratamento, principalmente, para vítimas de queimaduras. O método já é utilizado em outros Estados como Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Pernambuco. E também fora do país, na Colômbia, Alemanha e Estados Unidos.
Em 2017, vítimas de um incêndio criminoso provocado em uma creche em Janaúba (MG) foram tratadas com o "curativo biológico".
O uso inovador da pele de tilápia também já foi citado em séries de TVcomo "The Good Doctor" e "Grey's Anatomy".