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domingo, 7 de abril de 2019

Adolescente cearense recorre à Justiça para conseguir tratamento de doença genética rara

Pacientes com Amiotrofia Muscular (ou Atrofia Muscular Espinhal – AME), doença genética rara e de difícil diagnóstico que afeta pelo menos 74 pessoas no Ceará, têm como única opção de tratamento um fármaco não fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Somente uma dose custa, em média, R$ 370 mil, e são necessárias seis delas durante o primeiro ano de “ataque” à doença.

O Ministério da Saúde informa que a decisão sobre incluir ou não o Spinraza na relação de medicamentos distribuídos gratuitamente será publicada neste mês. Enquanto isso, é preciso recorrer à Justiça para obtê-lo. De acordo com a presidente da Associação Brasileira de AME (Abrame), Fátima Braga, cinco cearenses já realizam o tratamento e mais 15 aguardam cumprimento de liminares concedidas pela Justiça.

O filho dela, o estudante Lucas Braga, 17, foi diagnosticado com AME tipo 1 ainda bebê, quando os médicos diziam que só teria um ano de vida. Hoje, ele vive em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) domiciliar, e a família aguarda julgamento da última instância do pedido de acesso ao medicamento, que será realizado em Recife no próximo dia 16.

“Meu filho tem uma mente brilhante num corpo que não funciona. Se ele começar a tomar o medicamento, não vai voltar a andar, porque aos 17 anos os efeitos já foram muito severos, mas pode recuperar alguns movimentos. Crianças menores, quanto mais cedo tomarem, podem ter uma vida normal”, avalia.

Tratamento

Lucas se alimenta por sonda e respira com o auxílio de ventilação mecânica, devido aos movimentos comprometidos pela AME – mas é totalmente lúcido. De acordo com a irmã, a estudante Mimi Braga, 32, “ele vai pra forró com a mamãe, pro shopping, quer ir sempre à praia. Tem uma vida social mais agitada que a nossa”. A rotina é dividida, ainda, com fisioterapeuta, fonoaudiólogo, psicólogo e outros profissionais que compõem o tratamento, além de professora itinerante do ensino estadual.

Associado a terapias complementares (como fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional), o medicamento bloqueia a degeneração dos neurônios motores da coluna vertebral, causada pela AME. O Spinraza foi registrado no País pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em agosto de 2017. Desde então, a Abrame solicita à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) o fornecimento gratuito.

O número de diagnosticados no Ceará, para a presidente da associação, é subestimado. “Há grande dificuldade em encontrar médicos especializados em doenças raras, o que retarda o diagnóstico, causando danos irreversíveis. Há pacientes que nunca conseguiram exame”, revela.

Impacto

A incorporação do Spinraza ao SUS, como opina o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Doenças Raras da OAB Ceará, Alexandre Costa, é improvável devido ao impacto financeiro milionário – e, ainda que isso seja ignorado pelo Ministério da Saúde, o advogado acredita que o medicamento será mais um item de faltas constantes em postos e unidades de saúde públicos.

“Médicos da rede pública têm medo de prescrever, porque sabem que vai ser judicializado. Os hospitais que atendem as crianças, como o Albert Sabin (HIAS), muitas vezes proíbem a realização do exame genético de pacientes, criam diversas dificuldades”, pontua.

Em nota, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) informou que “o diagnóstico molecular da AME poderá ser feito desde que o médico assuma que esta é uma necessidade primordial para o tratamento e prognóstico do paciente”. Conforme a Sesa, o HIAS realiza apenas o diagnóstico clínico da doença, e atende 12 pacientes com AME dos tipos 1, 2 e 3 por meio do Programa de Assistência Ventilatória Domiciliar (PAVD).

Contra a inclusão

O Ministério da Saúde afirma que somente crianças de até 7 meses com AME tipo 1 ou entre 2 e 12 anos com AME tipo 2 e “sem escoliose ou contratura muscular”, todas sem necessidade de respirador artificial, “têm benefício no uso de Spinraza”. Para as demais (como Lucas, por exemplo), segundo a Nota Técnica (NT) nº 30/2018, o medicamento seria inútil. Na prática, porém, segundo a Anvisa, os efeitos são visíveis em qualquer grupo. Por omitir a chancela da agência, a União chegou a ser condenada pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em agosto de 2018, por litigância de má-fé.

Pedidos de medicamentos de alto custo, leitos de UTI, internações e outros relacionados ao direito à saúde já acumulam 6.760 processos tramitando no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), neste ano. Em 2018, foram ajuizados 11.296 no Judiciário estadual.

Com informações G1