Três advogados paulistas desembarcam de um avião fretado em Fortaleza. Eles estão na Capital cearense para "cuidar" dos interesses de dois homens que foram presos durante assaltos a banco em Senador Pompeu, no Sertão Central do Estado. Segundo uma fonte da Polícia, que preferiu não se identificar, os dois presos e um terceiro, que morreu em confronto com as forças de segurança, são integrantes da "linha de frente" da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Eles teriam recebido ordens das lideranças do grupo para virem para o Ceará comandar ataques a instituições financeiras. Com parte da quadrilha presa foram encontrados mais de R$ 200 mil.
O dinheiro para pagar advogados caros em voos fretados seria oriundo dos assaltos, do tráfico de entorpecentes e do pagamento mensal de R$ 300,00 de cada membro do PCC, conforme apurou a reportagem. A mensalidade, também chamada de 'cebola' pelos integrantes da facção, além de manter a assistência jurídica, serviria para financiar os negócios ilegais da venda de drogas, compra de armas e sustentar os ataques a bancos, num círculo vicioso, que desafia as autoridades estatais.
Os recentes ataques a banco no Estado com a participação de "homens fortes" do PCC, como Douglas Aparecido Piovesan, comprovam a tese de que a facção "veio para ficar". A presença de bandidos oriundos de São Paulo e de outros estados aqui no Ceará corroboram o teor das investigações da Polícia cearense sobre o poderio e a organização da facção criminosa, que nasceu em São Paulo e estendeu seus tentáculos pelo país inteiro e até para outros países.
Aqui no Ceará, uma investigação da Delegacia de Roubos e Furtos (DRF), que já dura mais de seis meses e se transformou num processo com mais de 600 páginas, mostra a divisão das tarefas do grupo em núcleos criminosos, como assaltos, tráfico de drogas e homicídios. A apuração dos investigadores da DRF teve seu ápice no dia 23 de junho deste ano, quando dezenas de policiais civis invadiram uma reunião anual do PCC no Ceará e realizaram a maior prisão em flagrante já registrada no Estado, de acordo com ação que a reportagem teve acesso e tramita na 3ª Vara Criminal da Comarca de Maracanaú.
Nesse dia, cerca de 70 pessoas participavam do "encontro" em um sítio, no município de Maracanaú. O que eles não sabiam é que equipes da DRF e da Divisão Antissequestro (DAS) monitoravam os passos de integrantes do grupo.
Invasão
Quando houve a invasão, 32 acusados de integrar o bando foram capturados. Apesar de parte dos presos não possuir ficha criminal, muitos eram conhecidos da Polícia, como Valdinei da Silva Holanda, que constava na lista dos mais procurados do Estado.
Um dos integrantes da organização criminosa e supostamente identificado como o líder do grupo, conhecido como 'Italiano' era esperado na reunião, mas não foi preso ou pode ter fugido durante a abordagem policial. No sítio, os policiais encontraram pichações com frases "PCC é o Crime".
Um caderno com a contabilidade e outro com um cadastro da organização, inclusive data de batismo dos membros e número de matrícula também foram apreendidos, assim como armas, munições e motocicletas de altas cilindradas. Procurado para comentar o teor da investigação, o titular da DRF, delegado Raphael Vilarinho, destacou a relevância das prisões para a sociedade e ressaltou a importância da manutenção dos 32 homens na cadeia.
Vilarinho disse que os reiterados pedidos de liberdade para os envolvidos, todos negados pela Justiça, até agora, "só reforça a qualidade da investigação com o apoio do Ministério Público do Estado (MPCE) e do Poder Judiciário". Conforme o delegado, o grupo é bem articulado com forte poderio bélico e conexões interestaduais. "É o crime organizado", afirmou.
A reunião, segundo Vilarinho, era uma comemoração pelas ações da organização, assim como servia para recrutar novos integrantes e planejar ações. "Já estamos no quarto volume de provas para corroborar ainda mais nosso trabalho. Todos foram indiciados por tentativa de homicídio contra os policiais, tráfico de drogas, associação para o tráfico, associação criminosa e porte ilegal de arma".
A apreensão dos cadernos durante a operação com anotações de contabilidade e do cadastros dos integrantes é uma das principais provas da existência e da forte presença do PCC no Ceará. A reportagem teve acesso a documentos do processo que mostram o cadastro escrito a mão, de alguns dos membros da facção no Ceará.
Cadastro como o de Gilvan Silva de Oliveira, o 'Siqueira'. Ele faz parte do núcleo da facção ligado aos roubos. Conforme as anotações, ele foi batizado como 'irmão' do PCC no dia 3 de março deste ano e teve como padrinhos 'Pirata', Santa Fer (sic), 'Ferrujo' (sic), 'Rabicor' (sic), 'Da Nika' e 'Mauvado' (sic). Antes de ser 'batizado', ele precisa ter sido indicado por algum criminoso da facção, que é chamado de "referência". No caso de Gilvan, o " referência" dele foi um bandido conhecido como 'Mulekinho'(sic).
Além desses dados, constam ainda no cadastro, informações como a 'quebrada' (local) de origem e 'quebrada' atual, se o integrante estiver na rua, como era o caso de Gilvan. Ele exercia a função de 'Geral do Paiol', ou seja, cuidava das armas da organização. Cada membro disponibiliza um contato telefônico para "emergências", também chamado de "linha vermelha".
Outras informações constam no caderno, que foi anexado ao processo criminal, como por exemplo, se o membro do PCC tem alguma punição da facção, quantas vezes já foi preso, quando foi solto, em um minucioso levantamento sobre a situação do "irmão", esteja ele na rua ou no presídio.
Outro 'irmão' batizado é Cleiton Gomes Ferreira Lima, o 'David' ou 'Pacificador'. Ele teve o ingresso no grupo dentro do Sistema Penitenciário em 19 de janeiro de 2015 com a matrícula de nº 9.508. A última responsabilidade atribuída pelo grupo criminoso a ele, conforme as anotações era "Geral do Sistema" (penitenciário). Ele saiu da cadeia em maio deste ano.
Fonte: Diário do Nordeste