Vinte e três anos após a saída de Fernando Collor de Mello da Presidência da República, um ocupante do Palácio do Planalto volta a enfrentar processo de impeachment. O pedido de afastamento foi acolhido ontem pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tendo como base as pedaladas fiscais e a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos.
No primeiro caso, o documento aponta suposta infração às leis Orçamentária e de Responsabilidade Fiscal e, no segundo, a omissão da presidente em relação "aos desmandos" na Petrobras, mencionando o voto de Dilma a favor da compra da refinaria quando comandou o conselho de administração da estatal.
Ainda ontem, ao lado de 11 ministros, a presidente Dilma Rousseff (PT) afirmou, em pronunciamento de quatro minutos, que as razões que fundamentam o pedido de impeachment de seu mandato são "inconsistentes e improcedentes" e se declarou "indignada" com a notícia.
Sem barganha
A presidente também negou que o Planalto tenha negociado para tentar impedir que o peemedebista deflagrasse a abertura do pedido de impeachment em troca do apoio de petistas para barrar o processo contra ele no Conselho de Ética da Câmara.
"Eu jamais aceitaria ou concordaria com quaisquer tipos de barganha, muito menos aquelas que atentam contra o livre funcionamento das instituições democráticas do meu País, que bloqueiam a Justiça e ofendam os princípios morais e éticos que devem governar a vida pública".
Justificativa
O documento assinado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. E Janaína Paschoal, associa o negócio de Pasadena a crime de responsabilidade.
"Não o faço por nenhuma motivação de natureza política, mas, de todos os pareceres que chegaram a mim, não consegui achar um que conseguisse desmontar a tese. Não tenho nenhuma felicidade no ato que estou praticando", disse Cunha.
O presidente da Câmara declarou que foi muito cobrado para se posicionar a respeito dos 34 pedidos de impeachment que chegaram às suas mãos. Ele rejeitou 31; ainda há dois pendentes.
Na resposta da presidente, ela alfinetou Cunha ao afirmar que não possui conta no exterior e nunca ocultou patrimônio pessoal. "São inconsistentes e improcedentes razões que fundamentam este pedido (de impeachment). (...) Não possuo conta no exterior, nem ocultei do conhecimento público existência de bens pessoais. Nunca tentei coagir instituições ou pessoas na busca de satisfazer meus interesses", declarou a presidente.
O peemedebista já foi denunciado e é alvo de investigações pela Procuradoria-Geral da República no âmbito da Operação Lava-Jato. "Meu passado e meu presente atestam a minha idoneidade e inquestionável compromisso com as leis e as coisas públicas", acrescentou Dilma.
"Recebi com indignação a decisão do senhor presidente da Câmara processar pedido de impeachment contra mandato democraticamente conferido a mim pelo povo brasileiro", declarou, a petista afirmando que não se pode "deixar as convivências e interesses indefensáveis abalarem a democracia e a estabilidade do nosso País".
A presidente afirmou ainda que tem "absoluta convicção e tranquilidade quanto à improcedência desse pedido bem como com o seu justo arquivamento". "Devemos ter tranquilidade e confiar nas nossas instituições".
A principal ausência no pronunciamento dela foi a do vice-presidente, Michel Temer (PMDB), que preferiu assistir às declarações do Palácio do Jaburu. Temer foi informado por Cunha antes do anúncio oficial da abertura do processo.
A petista estava ao lado dos ministros Jaques Wagner (Casa Civil), Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo), José Eduardo Cardozo (Cardozo), Gilberto Occhi (Integração Nacional), Luís Inácio Adams, (Advocacia-Geral da União), Aldo Rebelo (Defesa), Armando Monteiro (Desenvolvimento), André Figueiredo (Comunicações), Celso Pansera (Ciência e Tecnologia), Henrique Eduardo Alves (Turismo) e Gilberto Kassab (Cidades).
Recurso no STF
A Executiva Nacional do PT estuda recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão do presidente da Câmara. A iniciativa está em discussão pelo setor jurídico do partido, o qual alega que as liminares concedidas pela Corte em outubro suspenderam o rito do impeachment e impediram Cunha de tomar qualquer decisão em relação ao afastamento de Dilma.
O deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) também anunciou que pretende acionar a Corte. Segundo ele, não há atualmente um rito definido para promover o processo do impeachment. O parlamentar foi autor de mandado de segurança que barrou o processo em outubro.
Eduardo Cunha afirmou que o pedido seguirá "processo normal", dando amplo direito ao contraditório ao governo, e negou indiretamente uma atitude de revanche em relação ao governo. Na tarde de ontem a bancada do PT havia decidido votar contra ele no Conselho de Ética.
Segundo o peemedebista, a aceitação do pedido tem "natureza técnica" e não havia como postergar a decisão.
Retaliação
A decisão do presidente da Câmara dos Deputados foi tomada em retaliação à Executiva Nacional do PT, que ordenou à bancada na Casa Legislativa que apoie o prosseguimento do processo de cassação contra Cunha.
Na tentativa de recuperar o apoio do PSDB, que anunciou no mês passado o rompimento com ele, o peemedebista decidiu acolher o pedido de afastamento da petista apoiado pelo partido e assinado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior.
Em troca, Cunha espera que o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Carlos Sampaio (SP), convença os dois deputados tucanos que integram o Conselho de Ética a renunciarem ou mudarem de posição pelo arquivamento do pedido de cassação do mandato do peemedebista.
O Planalto, que enfrenta uma crise política agravada pela falta de apoio de aliados no Congresso, baixa popularidade de Dilma e período de recessão econômica, já se articulava para tentar deter o avanço de um processo de impeachment.
Para evitar a deflagração do processo de impeachment, deputados petistas chegaram até a última hora a ir ao gabinete do peemedebista garantir que até a próxima terça (8) seria possível reverter os votos no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.
O Executivo também informou ao presidente da Câmara que não tinha desistido de garantir ao peemedebista votos para o arquivamento do pedido de cassação. Em conversas reservadas, no entanto, o peemedebista disse que não podia mais confiar na promessa do governo federal.
Sem golpe
"Não aceitaremos que um chefe de quadrilha proces- sado na Justiça por corrupção leve o País à ruptura democrática ! Não aceitaremos o golpe!"
Ciro Gomes
Ex-ministro
Legalidade
"Nós apoiamos a proposta do impeachment para que ele tramite normalmente aqui. Isso não é golpe. Estou falando de algo previsto na Constituição"
Aécio Neves
Senador (PSDB-MG)
Cautela
"Não conheço o que o pro- cesso contém. Dependen- do do que acontecerá na Câmara virá ou não para o Senado. Não é prudente antecipar posição"
Renan Calheiros
Presidente do Congresso
Ameaças
"O governo preferiu não ceder. Vamos enfrentar solidariamente com a presidenta esse processo com a mais absoluta normalidade e naturalidade"
José Guimarães
Líder do governo na Câmara (PT-CE)
Democracia
"Não podemos deixar que as paixões aflorem a um ponto que impeçam o regular funcionamento das instituições. O que está em jogo é a própria democracia"
Tasso Jereissati
Senador (PSDB-CE)
Fonte: Diário do Nordeste