Rafael nasceu com aparência forte e saudável em julho de 2013, após uma gestação tranquila. Até os oito meses de idade, seu desenvolvimento parecia normal para os pais, mas as avós do menino notaram a dificuldade que ele tinha para se sentar e engatinhar.
Embora o achassem apenas um pouco “preguiçoso”, o casal levou o filho a uma consulta com um neurologista, que recomendou alguns procedimentos simples para estimular o desenvolvimento do bebê – para o especialista, os pais eram sossegados demais, não o garoto. Tudo parecia correr bem até que, aos 10 meses de idade, a criança teve sua primeira crise convulsiva.
Ana Paula Santiago, de 35 anos, e Daniel Cesar Braz, de 34, ainda não sabiam, mas seu filho tinha uma rara mutação no gene SCN8A, responsável por uma proteína fundamental para o controle dos neurônios e o desenvolvimento muscular.
Seria necessário mais de um ano até que o problema de Rafael fosse identificado por um novo neurologista, através de um exame de DNA. Nesse meio tempo, o bebê chegou a ter 200 crises convulsivas por dia, alterando melhoras e pioras nos ataques epilépticos, que não conseguiam ser controlados totalmente mesmo com o uso de diversas medicações.
Embora o problema tenha sido detectado, a descoberta trouxe pouco alento à família: a doença não possui nem nome, já que na literatura médica aparece desde 2012, apenas um ano antes do nascimento de Rafael. No mundo, são conhecidos 90 casos da síndrome; no Brasil, apenas três.
Cerca de 80% das crianças com o problema têm o desenvolvimento extremamente lento ou quase inexistente, como é o caso do menino. “O Rafa tem uma série de limitações. A gente não tem uma análise da idade mental, mas ele não anda, não fala, não engatinha, não senta. Ele interage em alguns momentos, responde a certos comandos, e você percebe traços da coordenação motora de uma criança de três meses”, conta Daniel Cesar.
Os outros 20% se desenvolvem, mas com um atraso considerável em relação à crianças saudáveis. Metade de todas as crianças afetadas tem uma hipotonia de moderada ou severa, ou seja, apresentam pouca força muscular. Em 50% dos casos, elas só se alimentam por sonda.
Rafael tem uma hipotonia moderada e consegue de alimentar através da boca, porque possui reflexo de deglutição. “Essa mutação genética não é igual em todas as crianças”, explica o pai do garoto. “Existem crianças que não se mexem, e têm inclusive os músculos respiratórios afetados. Algumas não comem, nem conseguem engolir a própria saliva.”
Rotina alterada e falta de informação
Quando entendeu que seu filho seria sempre especial, o casal teve que mudar sua rotina. Ana Paula, administradora que trabalhava em uma multinacional em São Paulo, deixou o emprego e cuida de Rafael em tempo integral – a família mora na Praia Grande, no litoral do Estado.
É uma rotina puxada: além de tomar sete remédios antiepiléticos em horários específicos, Rafael faz sessões de fisioterapia, fonoaudiologia, hidroterapia e terapia ocupacional, além das consultas pediátricas e neurológicas.
“Ela trabalha até mais que eu”, diz Daniel, que é engenheiro e atua no Porto de Santos, sobre a mulher.
Sem informações no Brasil a respeito da doença do filho, Daniel teve que recorrer a sites internacionais para conseguir material sobre o problema. Durante suas pesquisas na internet, ele encontrou a fundação Wishes for Elliott, nos EUA, a única no mundo dedicada à mutação do gene SCN8A.
Com a aquisição de maior conhecimento sobre a condição do filho, veio também a ideia de criar do site "Ajude o Rafa".
“Pensei: também quero ajudar, fazer parte disso. Obviamente estou focando no Rafa, para que possam ser aceleradas as pesquisas e que ele tenha um benefício em vida ou, pelo menos, trazer o acesso mais fácil à informação em português”, lembra Daniel. “Não quero doações enormes, podem ser pequenas, mas que sirvam para a pesquisa continuar”, explica sobre a ajuda, que é revertida em 100% para a Wishes for Elliott.
“O principal objetivo da fundação para 2016 é descobrir um remédio que controle as crises, que têm duas consequências principais: a primeira é que a criança não se desenvolve e segunda, pior, é o aumento de risco por morte súbita”, acrescenta.
Colocar os óculos de Rafael
“A gente teve que tirar os nossos óculos e colocar os do Rafa, para entender quais as conquistas que ele pode ter”. É assim que Daniel Cesar define como aprendeu, junto com a mulher, a lidar com a condição do filho. “Vamos valorizar aquilo que ele tem, e esquecer o que não tem. Essa forma de encarar a vida tem nos ajudado muito. Temos vida normal: saímos com ele, brincamos em casa do jeito dele”, diz.
Atualmente, Rafael está em um novo tratamento, com imunoglobulina, que deve durar dez meses. Por causa da reação à sustância, a criança tem de passar cerca de quatro dias na UTI a cada aplicação, depois volta para casa por 20 dias.
Daniel conta que o menino estava internado no hospital e que, no quarto ao lado, havia outro garoto com uma doença ainda mais rara, chamado Mateus. Com a mesma idade de Rafael, dois anos, ele só se alimenta por sonda e se mexe muito pouco.
“Conversando com a avó dele, a chamamos para ver o Rafa. Então ela virou para a gente e disse: queria que meu neto fosse assim”, recorda, antes de acrescentar: “Apesar de tudo meu filho está aqui comigo, tenho possibilidade de lutar por ele.”