Dois copos de cerveja bastam para deixar um homem de 80 kg mais desatento, com os reflexos lentos e, se pegar no volante do carro, com um risco duas vezes maior de se envolver em um acidente de trânsito. Segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), de 2013, um quarto dos brasileiros ignora este risco e insiste em desobedecer a lei, dirigindo mesmo após ter bebido.
Se você acha muita irresponsabilidade, saiba que um ato corriqueiro pode ser mais perigoso do que misturar álcool e direção. Aquela mexidinha rápida no celular, a que muita gente não resiste quando está conduzindo um veículo, aumenta em 400% a probabilidade de um acidente, conforme aponta um estudo do NHTSA, o departamento de Trânsito dos EUA.
O engenheiro Paulo Guimarães, diretor técnico do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), cita outro estudo americano, da Universidade da Virgínia, para explicar porque a atitude é muito perigosa e ajuda nas 45 mil mortes registradas anualmente no trânsito brasileiro.
"Cerca de 37% da atividade cerebral ligada à direção fica perdida quando você realiza outra ação, principalmente se é algo relacionado ao celular", afirma o especialista em Gestão de Trânsito.
Segundo ele, o uso do viva-voz, embora deixe as mãos livres, pode atrapalhar tanto a direção quanto manter o telefone ao ouvido. "Em termos de desvio de atenção o dano é igual. O que eu tenho observado - um dado que carece de mais estudos - é que, em algumas situações, é até pior do que a própria utilização do celular na orelha, porque quando a pessoa não está ouvindo direito tem toda aquela situação de estresse", pontua.
Outro problema é o tempo de utilização do equipamento durante o ato de dirigir. "Quando você olha o celular para ver uma chamada que está entrando, por exemplo, perde cerca de dois segundos. Isso, a 60 km/h, dá 34 metros sem ver o que está acontecendo. É mais do que a distância de um poste ao outro."
Paulo Guimarães acrescenta que a intensificação do uso dos smartphones, com redes sociais como o Whatsapp e o Facebook, também contribuem para os acidentes, já que o condutor adquire o hábito de ficar checando o aparelho o tempo todo.
"Por causa deste três fatores aliados, atribui-se um risco até maior que o do álcool para o celular", diz o engenheiro.
Formação tem eficácia maior do que aumento da fiscalização
Usar o celular ao volante, uma infração considerada média, acarreta a perda de 4 pontos na carteira de habilitação e uma multa R$ 85,13.
No Estado de São Paulo, de acordo com o Detran, 111.325 motoristas foram notificados em 2014 pelo uso do celular ao volante, sendo 40.039 deles flagrados na capital – um crescimento de 7,7% em comparação ao ano anterior.
Para Paulo Guimarães, aumentar a punição para quem é pego usando o telefone ao dirigir pode ajudar a combater o problema, mas não deve ser o foco principal para mudar o comportamento dos motoristas.
"Toda intensificação de fiscalização ajuda a coibir alguns comportamentos. Falando em termos culturais, o brasileiro ainda tem uma deficiência na percepção de risco. A gente reage e adota comportamentos seguros com base em legislação, para evitar a fiscalização. Um exemplo é que pouca gente usa o cinto de segurança no banco traseiro porque tem plena consciência do risco a si ou ao próprio condutor", explica o especialista em trânsito.
"No caso do celular, o controle é bem difícil de acontecer. Você tem o uso do viva-voz, tem películas no carro que dificultam a visão do agente", analisa. "Acreditamos que a intensificação da fiscalização é necessária, mas que a gente consiga, por meio de campanhas, conscientizar melhor a população quanto ao risco. Elas têm que começar quando você é pequeno e está aprendendo o que é compartilhar o espaço público, cidadania, viver em coletividade. Tudo isso tem relação direta com o comportamento no trânsito no futuro."