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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

JOVENS: Triplicam as mortes por armas de fogo no Ceará

Enquanto o número de mortes entre jovens no Rio de Janeiro e São Paulo reduziu na última década, no Ceará, o índice mais que triplicou. Os dados são alarmantes, prova disso é que o crescimento no Estado foi superior à média nacional (9,5%) e a do Nordeste (112,7%). Em 2000, foram registradas 16,39 mortes por armas de fogo para cada 100 mil pessoas entre 15 a 29 anos. Em 2011, a quantidade saltou para 51,66, o que representa aumento de 215,2%.


Em contrapartida, Rio de Janeiro e São Paulo apresentaram redução de 49,7% e 73,7%, respectivamente. O Estado do Rio de Janeiro reduziu a taxa de mortalidade entre jovens de 91,48 em 2000, para 45,99 em 2011. Já o Estado de São Paulo diminuiu de 59,17 em 2000, para 15,01 em 2011. É o que aponta pesquisa do Instituto de Pesquisa e Estatística Econômica do Ceará (Ipece), tendo como base dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, e estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A advogada do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), Talita Maciel, comenta que fator agravante é que o Ceará tem investigado pouco os crimes contra a juventude. "A gente percebe que não existe uma investigação que mostre porque os jovens estão morrendo. Quem está matando a juventude? Precisamos apurar se existem grupos de extermínio. É preciso que a Secretaria de Segurança Pública e Desenvolvimento Social (SSPDS) se detenha sobre esses dados. Em muitos desses crimes se quer é instaurado inquérito para apurar a causa".



Ela acrescenta que a impunidade gera mais violência, uma vez que os agressores não são responsabilizados. "Existe um discurso de dizer que os adolescentes são os causadores da violência. Essa fala legitima que mais pessoas se sintam no direito de criminalizar esses jovens", esclarece. Talita alerta que existe um movimento muito forte de criminalização da juventude, o que favorece o aumento da violência.

Mas, afinal, quem são esses jovens que estão morrendo? O pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Conflitualidade e Violência, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Geovani Jacó de Freitas, explica que são pessoas que moram nas periferias de Fortaleza, com poucas condições sociais econômicas. "Em geral, estão envolvidas em conflitos interpessoais, sobretudo disputa de territórios, queima de arquivo e por dívidas pessoais, por envolvimento com o narcotráfico". Nessa conjuntura, complementa, existe a instituição de locação de armas, ainda pouco estudada.

O especialista ressalta que há indicadores de que muitas armas utilizadas em assaltos estão locadas. "Há um comércio de aluguel de armas em muitas partes da cidade. São grupos que alugam armas para pessoas cometerem os seus delitos, já que nem todos têm acesso ao porte de armar à compra de armas", frisa.

Portanto, toda essa conjuntura de conflitos interpessoais, a criminalidade urbana, o crime organizado e suas conexões com o narcotráfico, somados à descrença da população em relação ao Estado e à Justiça acarretam no crescente índice de cidadãos que realizam justiça com as próprias mãos. Essas pessoas contribuem para o aumento e circulação das armas como valor de defesa e ataque.

O cenário, entretanto, nem sempre foi assim. Há uma década, o instrumento de maior participação nos homicídios era a arma branca. Diferentemente de hoje. A Cartografia da Criminalidade de Fortaleza aponta que 82% dos homicídios foram praticados por armas de fogo. "A arma hoje é um mercado rentável, que circula tanto no mercado formal como informal, no mercado do crime", salienta.

Para o especialista, a incapacidade da Polícia, a falta de pessoal qualificado, a ausência de políticas de inteligência, de investigação e de vontade política de resolver a questão são os responsáveis por levar a essa realidade. "Quando a política se dispõe a investigar um crime, ela descobre. Mas, a grande maioria dos crimes caem sobre a população pobre, onde a lei não funciona mais, só como repressão".

A reportagem contactou a SSPDS para obter esclarecimentos sobre os índices de mortalidade de jovens por arma de fogo em Fortaleza, mas o órgão, em nota, se restringiu a afirmar que o estudo do Ipece é digno de elogios quando destaca a gestão como um dos elementos fundamentais na construção da segurança pública. Nesse aspecto, acrescenta a nota, converge com o pensamento destacado pelo titular do órgão, Servilho Paiva, que assumiu a SSPDS há cerca de 15 dias.

A violência tem crescido no Estado pela grande quantidade de armamento nas mãos da população. A opinião é do coordenador nacional do Movimento Internacional pela Paz e Não-Violência (MovPaz), Clóvis Nunes. "Quanto menos armas, menos crimes. Infelizmente, a segurança do País inteiro ainda não focou no desarmamento", enfatiza.

Com o objetivo de mudar esse quadro, foi inaugurada, em Fortaleza, há um mês, a Casa da Paz, uma iniciativa da MovPaz. O local funciona como posto de entrega voluntária de armas. O material recolhido é danificado na frente do portador, para que não seja utilizado novamente. A pessoa que entregar o armamento poderá ganhar indenização no valor de R$ 150 a R$ 450, e terá seu anonimato garantido.

Em apenas 23 dias úteis, o órgão conseguiu contabilizar 45 armas de fogo e 368 munições entregues. Dentre as armas, foram recebidos fuzis, pistolas, e outros armamentos de grosso calibre. De acordo com Clóvis, este número, que foi registrado em tão pouco tempo de funcionamento, traz confiança para quem acredita no desarmamento como forma de diminuir a violência em todo o Brasil.

Para os interessados em fazer doações e praticar a não-violência, a Casa da Paz está aberta de segunda a sexta-feira, das 9h às 12h e das 14h às 17h, na Rua General Silva Júnior, 154, Bairro de Fátima.

O MovPaz foi criado em 1992 em Feira de Santana (BA), e possui representações em 27 cidades de 11 estados brasileiros. Tem como finalidade implantar uma cultura baseada na paz.