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sexta-feira, 3 de maio de 2019

Prisões por não-pagamento de pensão alimentícia aumentam 238%

Os 14 anos de duração do casamento de Fernanda Mendes, 31, com seu ex-companheiro não foram suficientes para impedir a sensação de insegurança por "ficar sem nada", após a decisão de separar-se. A estudante espera conseguir a pensão alimentícia para o filho de 12 anos através de um acordo, sem a necessidade de mover uma ação judicial e somar-se aos 38.817 processos dessa natureza em aberto no Ceará. O número de prisões decretadas por não-pagamento de pensão alimentícia no Estado saltou de 380, em 2017, para 1.287, em 2018, conforme o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE).

Os números representam um aumento de 238% em um ano. Para evitar chegar à cobrança de pensão ao ex-marido, ela dirigiu-se à Defensoria Pública Geral, ontem (2), em busca de informações.

"Eu ainda estava acreditando que ia resolver só na conversa, mas acho que não vai dar certo. Eu quero mais informação mesmo, queria fazer um acordo. Mas eu vim por isso, por medo de não ter nada. Espero que seja pacífico. Assim que sair daqui, vou falar com ele", revela.

A mediação familiar oferecida pelo órgão é uma opção às ações judiciais, uma vez que permite o diálogo entre as partes a fim de alcançar um acordo satisfatório para ambas, incluindo a determinação do valor a ser pago pela pensão.

"Nós trabalhamos com uma atuação preventiva, tentando administrar o conflito ou até resolvê-lo. Aqui, elas recebem toda a orientação. Dando tudo certo, elas são agendadas e já saem com uma carta-convite para a outra pessoa, convidando a outra parte para dialogar, com a presença de um defensor público", explica Rosane Martins, defensora pública do Núcleo de Solução Extrajudicial dos Conflitos (Nusol).

Consenso

Uma vez alcançado o acordo, o caso é documentado e formalizado, um termo é elaborado e encaminhado ao Poder Judiciário. Os acordos firmados no Nusol são levados até uma juíza com competência exclusiva para homologá-los, graças a um convênio firmado entre a Defensoria Pública e o TJCE. "Caso o acordo envolva filhos menores, deverá passar ainda pelo Ministério Público para averiguar se os direitos estão devidamente resguardados", ressalta Rosane Martins. O nível de consenso do Nusol, diz, foi de 81% em 2018.

A decisão de dialogar em prol da resolução foi bem-sucedida para o consultor Alexandre Magalhães, 39, e a professora Fernanda Barbosa, 38. O divórcio e o valor da pensão alimentícia foram resolvidos por meio de um acordo, por intermédio do Nusol.

"Eu procurei a Defensoria Pública em novembro do ano passado. A audiência ficou marcada para fevereiro, e nós fomos, mas ficou faltando um documento, que a gente trouxe hoje", lembra a professora, que aguardava junto ao ex-marido para assinar o último documento ontem (2).

Petição

Caso a mediação não seja possível, ou uma das partes prefira seguir diretamente para a ação judicial, é possível buscar orientação na sede e nos núcleos descentralizados da Defensoria Pública, de acordo com Denise Castelo, supervisora das Defensorias de Família. No caso das pensões alimentícias, uma vez que a demanda chegue aos núcleos, é dada a entrada em uma petição inicial de alimentos.

Tal petição é distribuída para uma das Varas de Família, em que um defensor acompanhará o processo, dando esclarecimentos e assistindo a parte. "No processo de alimentos, quando a pessoa dá entrada, o juiz, por lei, tem que fixar alimentos provisórios no primeiro despacho, para que a pessoa que necessita dos alimentos não fique à mercê da demora do processo. A partir do momento que o réu recebe a citação, ele já deve pagar".

Conforme o desenrolar do processo, o valor estabelecido para os alimentos provisórios pode ser mantido, aumentado ou diminuído, a depender das provas, audiências e contestações apresentadas.

"Ação de alimento, por sua natureza, tem um rito mais célere. Ela tem um procedimento especial. Na primeira audiência, sempre é tentada a conciliação. E o número de conciliações é muito grande, por ser muito mais vantajoso para as partes", explica.

Segundo Denise Castelo, não há um valor determinado por lei para a pensão alimentícia. O valor é fixado a partir de critérios como renda, número de filhos, condição de saúde, e de acordo com a possibilidade de quem paga e a necessidade de quem recebe.

"Quando o réu é inserido no mercado de trabalho, com carteira assinada, fica mais fácil a comprovação da renda. Quando ele é autônomo, é importante reunir provas para comprovar a capacidade econômica. Podem ser provas testemunhais, de pessoas que possam atestar, ou publicações em redes sociais, que confirmem o estilo de vida da pessoa. Todas essas provas influenciam o valor da pensão".

Caso o pagante esteja inserido no mercado de trabalho, o valor da pensão é descontado da folha de pagamento. Se for autônomo, será fixado baseado no salário mínimo, e deve ser comprovado.

Punições

A vice-presidente da Comissão de Direito da Família da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Anna Magalhães, afirma que a dificuldade político-econômica que o Brasil enfrenta pode ter contribuído para o aumento das prisões decretadas entre 2017 e 2018. "Vivemos em uma crise muito intensa nos últimos anos. Pode ter acontecido de a pessoa ter perdido o emprego ou mudado de salário", diz.

Se o pagador mascara o valor do salário, a Justiça deve ser acionada. Além da prisão, explica, existem outras punições ao devedor, como a inclusão do nome do devedor no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), na Centralização de Serviços dos Bancos (Serasa), pedido de bloqueio do passaporte e ou da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

Com informações Diário do Nordeste