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domingo, 31 de março de 2019

Brasil cai radicalmente em ranking da felicidade


Estamos mais infelizes. E se o brasileiro viu minguar sua felicidade, a situação do nordestino ficou ainda mais cinza. É o que aponta a pesquisa World happiness report (Relatório Mundial de Felicidade), promovida pela Gallup, empresa norte-americana de análise e consultoria. Em 2018, de acordo com a investigação, atingimos o ponto mais baixo na medição de nossos índices de satisfação. E a contabilidade de nossos rendimentos tem a ver com a queda, mas não é só isso. A instabilidade política e a insegurança de nossas ruas também colaboraram.

Em sua sétima edição, a pesquisa, que analisa 156 nações, colocou o Brasil na 32ª posição, abaixo de países como Panamá (31ª), Guatemala (27ª) e Israel (13ª), e acima do Uruguai (33ª), Itália (36ª) e Argentina (47ª). Na média dos últimos três anos, estabelecida a partir de critérios objetivos e subjetivos, registramos a marca de 6,3 mil pontos. Entre 2010 e 2012, nossa média estava em 6,8 – praticamente a mesma registrada pelo Reino Unido e acima de nações como França (6,7) e Alemanha (6,6).

Responsável por destrinchar os dados brasileiros, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) elaborou o relatório Como vai a vida? Entendendo a queda do bem estar social a partir de microdados subjetivos e objetivos. Dados divulgados com exclusividade a O POVO apontam para a involução da felicidade no Nordeste, região que apresentou uma queda maior que a brasileira no mesmo período. Se o Brasil caiu de 6,99 a 6,36 até o fim de 2018, a região Nordeste foi de 6,92 para 6,15.

“É verdade que a felicidade do Nordeste é menor que no Sudeste. Tem a ver com o nível de pobreza. Mas, se você comparar pessoas com o mesmo nível de renda e educação, o Nordeste apresenta um nível de felicidade maior do que o resto do País. É a felicidade nordestina”, avalia o economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da FGV, responsável pela investigação no âmbito nacional.

Em relação aos números brasileiros, chama atenção que o resultado de 2018, considerados individualmente, sejam ainda mais baixos – a pior nota do Brasil em sua média histórica: 6.2 mil pontos. Em 2006, quando o ranking começou a ser elaborado, marcamos 6,6 mil. Em 2013, ano das grandes manifestações de rua no País, atingimos nossa melhor pontuação, 7,1 mil pontos - a frente de todos os vizinhos sul-americanos. Nossa queda acompanha, segundo o relatório, uma “onda global de infelicidade” que tem a ver com o sentimento de incredulidade em relação aos nossos líderes políticos e com o uso inadequado e excessivo das redes sociais.

A queda do País, de 7,1 para 6,2 em cinco anos, é uma das três piores quedas globais, ao lado de Yemen, Malawi e Zimbabwe, e revelam uma “grande regressão social”. “É verdade que ainda somos o número 37 no ranking de 156 nações, mas em 2013-2014 éramos o número 17. Essa queda radical chama atenção, é absolutamente grande”, avalia o Marcelo Neri.

Os critérios objetivos levados em consideração pela pesquisa dizem respeito aos sentimentos de prosperidade - crescimento da média de renda e de consumo (prosperidade); de igualdade - distribuição dessa renda entre indivíduos e grupos da sociedade; e de sustentabilidade - possibilidade de manutenção dos padrões de vida conquistados. O PIB do trabalhador brasileiro subiu 2,3% em 2018, a maior taxa dos últimos quatro anos, e a renda per capita também cresceu 1,54%. A má notícia é que a equidade, fechando quatro anos de piora contínua, caiu mais 0,71% em 2018. Queda desse porte e constância não aconteceu nem mesmo antes de 1989, nosso pico histórico de desigualdade.

Apesar dos números positivos de PIB e renda per capita apresentados no período recente, há um descompasso em relação aos critérios subjetivos - relacionados à percepção particular das pessoas sobre a situação do País, levando em conta critérios como qualidade de vida e a disponibilidade e acesso a serviços públicos. “O PIB não explica tudo. Pra entender a queda no Brasil, não basta olhar pra uma das maiores recessões da história do País”, explica Neri. Em outras palavras, a retomada da economia não está expressa nas respostas de felicidade, que se vê minada pelas altas taxas de desemprego, descrença na política e medo da violência.

Ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e ex-ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da presidência entre os anos de 2013 e 2015, Neri aponta para a alarmante situação do Brasil em outros rankings. “Em 2017, o Brasil era o número 2 entre os países com mais medo da violência. A partir de uma pergunta direta, ‘você tem medo de andar à noite em seu bairro?’, percebemos que o nível de medo do brasileiro só perde para o registrado no Afeganistão. Se você perguntar sobre o nível de confiança no Governo federal, também vamos estar entre os dois piores, perdendo apenas para a Bósnia. Os dados sobre aprovação das lideranças políticas no Brasil são os mais baixos de toda a história. São situações extremas”, explica.

O relatório da FGV também analisa os perfis particulares dessa infelicidade. Agora, os homens parecem mais infelizes que as mulheres - o que também pode ser explicado pelos níveis de renda, já que enquanto a delas subiu 2% desde 2014, a deles caiu 5% no mesmo período. Aqueles que moram em metrópoles e grandes cidades são mais infelizes que os que vivem em cidades pequenas. A nota dos primeiros é 6,1, enquanto os segundos pontuaram 6,3.

E por falar em renda, a relação entre a condição financeira e os níveis de felicidade se tornam ainda mais patentes quando consideramos as respostas dos 20% mais ricos conta o restante da população. De 0 a 10, os primeiros atribuem nota 7 para sua felicidade. Para os demais, a nota é 6,2. Variação semelhante entre os que têm ensino fundamental completo (nota 6,5) e os que não têm (5,7).

“É o aumento da desigualdade explicando a piora da felicidade”, avalia Neri, que acredita em uma lenta recuperação a partir de agora: “Estamos no fundo do poço, tão baixo que uma mudança não é descartada. Vamos ter índices melhores. É uma positividade condicionada: se fizermos a coisa certa, se a economia melhorar, se a desigualdade parar de subir, se o desemprego for controlado, se a sociedade retomar a confiança no sistema, esse índice pode reagir rapidamente”.

Com informações O Povo Online