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sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Governo retira R$ 3,9 bilhões de repasses para municípios combaterem covid-19


Criticado ao longo dos últimos meses por demorar a liberar dinheiro para ajudar municípios a lidarem com a pandemia do novo coronavírus, o governo federal retirou R$ 3,9 bilhões do montante já aprovado e que seria repassado a prefeitos.

Esse valor representa 17% dos R$ 23,6 bilhões prometidos até agora pela gestão Jair Bolsonaro (sem partido) para que cidades abram novos leitos hospitalares, comprem remédios e tratem infectados.

O fato foi constatado pela comissão de orçamento do CNS (Conselho Nacional de Saúde) ao analisar o sistema de prestação de contas do Ministério da Saúde.

Segundo as entidades, não houve justificativa para o desaparecimento da verba entre 28 de julho e 4 de agosto. Foi a primeira vez que isso aconteceu desde que o governo começou as liberações em abril.

Na época, R$ 4,2 bilhões haviam sido prometidos. Considerado baixo por prefeitos, o valor acabou turbinado até chegar aos atuais R$ 23,6 bilhões, anunciados no começo de agosto.

Acontece que nem tudo o que é prometido sai dos cofres na mesma velocidade. Até meados de junho, por exemplo, o governo prometia R$ 16,9 bilhões aos prefeitos, mas só havia repassado de fato 34% disso, ou seja, R$ 5,8 bilhões.

Como funcionam os repasses?

Entre a promessa e a liberação do dinheiro há bastante burocracia e muitos termos técnicos. Funciona assim:

Primeiro o governo faz a promessa e a chama de "dotação a empenhar";

Depois ele precisa garantir o dinheiro prometido com alguma lei que mencione os valores e diga de onde ele sairá. Como a pandemia é emergencial, o governo escolheu usar MPs (Medidas Provisórias), uma regra que entra em vigor na hora que o presidente assina, mas que perde a validade se, em 120 dias, o Congresso não votar a MP, transformando-a em lei;

É a hora de fazer o chamado "empenho", a primeira etapa do repasse. Nessa fase, o governo publica uma portaria detalhando como serão os gastos do dinheiro mencionado pela medida provisória. O órgão público, então, reserva o dinheiro para efetuar o pagamento planejado.

O próximo passo é o da "liquidação". É quando o governo verifica se a cidade realizou o serviço de maneira satisfatória. Os comprovantes apresentados pelos prefeitos servem para que o governo "liquide" a fatura: dê o aval para que o ministério desembolse o dinheiro que foi separado na fase anterior.

Chega, enfim, a última fase da chama "execução orçamentária", que é o pagamento propriamente dito.

Em que fase o governo anulou o repasse?

Os R$ 3,9 bilhões que desapareceram entre 28 de julho e 4 de agosto estavam na fase de empenho (a de número 3), já reservados por meio de MP e discriminado em portaria.

Procurado pelo UOL, o Ministério da Saúde afirmou em nota "que não há corte nas despesas destinadas para enfrentamento da Covid-19", mas não explicou por que R$ 3,9 bilhões já empenhados sumiram das prestações de contas.

Essa redução foi notada no começo do mês pela Cofin (Comissão de Orçamento e Financiamento), do CNS, que desde abril acompanham semanalmente a execução desse orçamento.

"Detectamos na última semana que, pela primeira vez, houve uma anulação de empenho. Se empenhou é porque já tinha portaria destinando o recurso para algum lugar e, possivelmente alguém perdeu o recurso", diz o consultor técnico do Cofin, Francisco Funcia.

Para entender o que houve, o CNS encaminhou um ofício ao Ministério da Saúde pedindo explicações.

"O que queremos saber é o que aconteceu. Anulou o empenho de vez ou vai repor?", questiona o consultor, que embora aguarde a resposta oficial do ministério, diz acreditar que o governo pode ter deixado de repassar parte do dinheiro no prazo de 120 dias de vigência de algumas MPs.

Essa também é a hipótese da Frente Nacional de Prefeitos, que informou ao UOL que "os recursos estão sendo pagos lentamente" pelo governo. A entidade espera que a anulação do montante seja apenas "um remanejo de orçamento".

Nessa hipótese, o governo editaria novas medidas provisórias para substituir as que caducaram, possibilidade questionada pelo UOL, mas que ficou sem resposta do ministério.

"Se na melhor das hipóteses isso acontecer, vai demorar ainda mais para transferir tudo aos municípios", diz Funcia. "Não é a mesma coisa passar tudo de uma vez no final da pandemia porque quem não foi atendido lá atrás já se prejudicou."

"Como faremos se o recurso chegar só no final do ano?", questionou Stela Souza, presidente do Cosems (Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde) na Bahia, ao saber na semana passada sobre o empenho anulado. "Além de ano eleitoral, é final de mandato."

Para Funcia, "o governo precisa estar atento". "Não pode passar dos 120 dias sem empenhar o que foi autorizado. Tem de empenhar imediatamente. Por outro lado, por que o Congresso não está convertendo as MPs em lei? Foi algum acordo com o governo?", questiona.

O UOL fez essa pergunta ao então líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO), mas não recebeu resposta até o fechamento da reportagem."

Segundo o Ministério da Saúde, as medidas provisórias publicadas com autorização de despesas (...) para o enfrentamento à pandemia somam R$ 41,6 bilhões". "Desse montante, R$ 26,4 bilhões foram empenhados, e outros R$ 20 bilhões foram pagos pelo Ministério. Destes R$ 20 bilhões, R$ 17,3 bilhões foram transferidos a estados, municípios e Distrito Federal."

Com informações Uol Notícias