E só se fala em copa do mundo
Moreira de Acopiara
Constrangedor. Para mim, essa é a palavra. Antes do início dessa copa do mundo de futebol a grande preocupação dos jogadores brasileiros era quanto iriam receber de premiação. Como se esses atletas já não ganhassem salários que, a meu ver, são um acinte, de tão altos, num mundo de tantas carências e desigualdades. Os atletas de uma seleção do continente africano fizeram ainda mais feio. Declararam que só entrariam em campo se o seu país de origem mandasse um avião cheio de dólares. Para evitar a desgraça o dinheiro foi enviado e a gente pôde ver os protagonistas do triste evento beijando os maços de dinheiro, num gesto que (perdão pela infeliz comparação) me fez lembrar os brasileiros Belini, Carlos Alberto Torres e Cafu beijando a taça de campeão do mundo. Aí eu senti saudade de quando se jogava futebol por amor, com alegria e espírito absolutamente esportivo.
Houve um tempo, na época do império romano, em que o povo, inclusive o imperador, achava o máximo assistir a lutas sangrentas no centro de uma arena. O Coliseu de Roma, o grande e moderno estádio da época, existe até hoje, ainda que em ruínas. Mas foi palco de muitas mortes, está lá e ainda é muito visitado. À época colocavam homens, geralmente escravos ou prisioneiros, para lutar com feras ou com outros homens. Vencia quem matasse o oponente. O povo vibrava com aquelas cenas dantescas. O povo aplaudia extasiado. Hoje a gente sabe que aquilo era uma grande idiotice. Uma arena lotada com setenta mil pessoas se divertindo com outros homens que se digladiavam. As futuras gerações certamente vão olhar para trás e pensar o mesmo com relação ao futebol de hoje. Hão de se admirar com a insanidade do povo do século 21, que lotava estádios enormes, construídos com dinheiro público em meio a muita propina e acertos de bastidores, para ver 22 homens correndo atrás de uma bola, com os promotores do evento e os narradores fazendo de tudo para impor a crença de que futebol é a coisa mais importante do mundo. Acho que essas gerações do futuro ficarão estupefatas quando souberam que alguns desses supertreinados homens foram chamados de 'heróis' porque ou conseguiram colocar a bola dentro daquele quadrado ou evitaram que ela entrasse.
Não sei se sou retrógrado ou ultrapassado, mas meus heróis são outros. Lembro aqui seu Antônio Raimundo, vaqueiro e confiança de meu pai, que criou oito filhos, tendo somente o essencial. Mas era feliz e não queria outra vida. Grande herói de minha juventude e exemplo a ser seguido. Recordo também seu Ananias, outro herói que criou família numerosa nas mesmas precárias condições, mas era exemplo de lealdade e confiança. A alegria e o otimismo em pessoa. Podia cair uma banda do mundo, mas ele não se corrompia, não traía nem perdia o bom humor. E não me esqueço dos heróis da cidade grande onde resido, que acordam ainda de madrugada, pegam três conduções ou mais, sempre superlotadas, chegam cansados, trabalham oito horas, fazem o caminho de volta, e no final do mês recebem salário mínimo ou pouco mais. Lembro ainda Jesus Cristo, Tiradentes... Irmã Dulce e Madre Tereza de Calcutá, só para citar alguns verdadeiros heróis que o mundo ainda há de lembrar por séculos.